Naquele fim de tarde, eu sentei de frente para a janela no mesmo instante em que começava a chover lá fora. A ameaça pairava sobre nós desde os primeiros minutos de claridade do dia. Quando toda a água caiu, eu já tinha ido ao banco, jogado na loteria, comprado um quilo de contra-filé e comentado com a dona Noêmia sobre a porta emperrada. E agora tomava café da tarde sem pretensão de fazer mais nada até a hora de dormir.
Suzana me disse que iria embora um pouco antes. Acho que ela sacou que iria chover aquele tanto. Nos últimos dias, quando chovia, não era pouco. Começava com pingos finos e ia aumentando. Alagava tudo, entrava água pela janela e, se era madrugada, o barulho de uma goteira na caixa do ar-condicionado não nos deixava dormir. Talvez ela estivesse de saco cheio disso. Era uma rotina desgastante.
Eu até gosto de chuva. Do som, do cheiro, da temperatura. Eu gosto de olhar para o outro lado da rua através da cortina de água que se forma na janela. Gosto de ver como a violência do temporal mexe as árvores do quintal do Sr. Augusto. Às vezes até me divirto ao ver Tatu, o golden retriever dele, parado na janela olhando para tudo aquilo com o mesmo olhar que eu. Será que o Tatu pensava o mesmo de mim?
Mas naquele dia a chuva doeu. Olhando os faróis dos carros que passavam devagar, eu me lembrava do momento em que Suzana entrou no Uber. Ela não olhou para cima como fazia sempre. Eu tinha uma ligeira esperança de que ela fizesse isso, como sinal de que também daquela vez ela voltaria. Quando o carro (um Fiat Argo, placa UXV 5489) virou a esquina, olhei para o céu e vi os primeiros pingos da chuva. Não deu tempo de lamentar, reclamar ou chorar. Eu tinha que fechar as janelas do quarto e da área de serviço.
Depois disso, a rua começou a encher enquanto eu pensava nos possíveis motivos pelos quais ela tinha ido embora. Tudo estava muito difícil. Eu sabia que eu não era o que ela queria ou precisava, que os dias de sol não iluminavam suficientemente bem o momento nublado pelo qual passávamos. Eu sabia. Mas, assim como a previsão do tempo não evita o temporal, saber não evitava sua partida e nem diminuía a frustração.
A luz de um dos postes, o da esquina, se apagou. Naquele horário, muita gente estava voltando do trabalho. Ainda não era noite, mas o tom sépia do fim de tarde já embalava os passos das pessoas nas ruas. Tinha gente de guarda-chuva, tinha gente de capa, tinha gente sem nada disso. Todos voltavam para suas casas. Por mais que a chuva pegasse essas pessoas desprevenidas, ainda havia motivo para voltar para casa. Não para Suzana.
Depois de um tempo paralisado, percebo que o café está no fim, a novela das seis está acabando e vai começar o telejornal regional com notícias de alagamento, corrupção e perfumaria. A fúria das águas começa a se acalmar, depois de quase uma hora. Os carros ainda passam devagar, Tatu ainda está impaciente trancado dentro de casa, as pessoas ainda estão chegando enxarcadas de seus trabalhos.
E Suzana ainda foi embora.